Greenwash: Uma Análise Crítica da Sustentabilidade e o Projeto Bosco Verticale

Por Antônio do Valle, Sophia Bock e Thais Nishikawa

Este artigo apresenta uma análise crítica sobre o conceito de “greenwash” e sua relação com a sustentabilidade. O estudo tem como foco o projeto Bosco Verticale, localizado na Itália, considerado um marco na arquitetura contemporânea sustentável. O objetivo é avaliar se o Bosco Verticale é uma genuína expressão da sustentabilidade ou se está envolvido em práticas de greenwash. Para isso, examinaremos os princípios de sustentabilidade subjacentes ao projeto e discutiremos sua eficácia e impacto real no contexto da arquitetura verde.

Nos últimos anos, a preocupação com a sustentabilidade tem se tornado cada vez mais presente na arquitetura contemporânea. O movimento de construções sustentáveis busca reduzir o impacto ambiental, promovendo o uso eficiente dos recursos naturais e a minimização dos resíduos. No entanto, em meio a essa tendência, surge o termo “greenwash”, que se refere a práticas de marketing e publicidade que promovem uma imagem de sustentabilidade enganosa, sem efetivamente abordar os desafios ambientais de forma significativa.

O Projeto Bosco Verticale

Um exemplo emblemático da arquitetura contemporânea sustentável é o Bosco Verticale, localizado em Milão, na Itália. Desenvolvido pelos arquitetos Stefano Boeri, Gianandrea Barreca e Giovanni La Varra, o Bosco Verticale é um complexo residencial que apresenta uma abundante vegetação em suas fachadas. A proposta é criar um “bosque vertical” que proporcione benefícios ambientais, como a redução da poluição do ar, a absorção de CO2 e a promoção da biodiversidade urbana.

O projeto consiste em duas torres residenciais, uma com 80 metros de altura e a outra com 112 metros. O que torna esse projeto único e impactante é a presença de árvores, arbustos e plantas em suas varandas e terraços. As plantas foram cuidadosamente selecionadas para criar uma mistura diversificada de espécies, criando um microcosmo verde vertical.

Foi projetado também com uma série de tecnologias sustentáveis. As varandas e terraços possuem sistemas de irrigação automatizados, garantindo a manutenção adequada das plantas sem desperdício de água. Além disso, o projeto incorpora painéis solares nas fachadas e turbinas eólicas na cobertura, aproveitando fontes renováveis de energia.

Imagem 1: A duas torres que mudaram o horizonte de Milão: o Bosco Verticale
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Imagem 2: Projeto Bosco Verticale, Itália
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Sustentabilidade do Bosco Verticale

O Bosco Verticale é amplamente considerado um exemplo positivo de arquitetura sustentável. Sua vegetação exuberante e o uso de tecnologias eficientes são apontados como elementos que contribuem para a redução do consumo de energia e para a melhoria da qualidade do ar no entorno. Além disso, o projeto busca promover uma convivência mais harmoniosa entre o ambiente urbano e a natureza, proporcionando espaços verdes para os moradores.

Imagem 3: Interior do Edifício Bosco Verticale
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No entanto, é importante analisar criticamente a sustentabilidade do Bosco Verticale em relação ao conceito de greenwash. O greenwash pode ocorrer quando um projeto sustentável é superestimado em suas contribuições para o meio ambiente, apresentando uma imagem exageradamente positiva e ocultando eventuais impactos negativos.

Relação com o Greenwash

Embora o Bosco Verticale seja amplamente divulgado como um projeto sustentável, é necessário avaliar a efetividade de suas propostas. Alguns críticos argumentam que o projeto concentra seus esforços na aparência visual verde, sem abordar questões mais amplas de sustentabilidade. A preocupação é que o Bosco Verticale possa estar se utilizando do greenwash para promover uma imagem de sustentabilidade sem uma análise aprofundada de seu desempenho ambiental real.

No entanto, é preciso considerar que o Bosco Verticale também possui méritos significativos. A vegetação nas fachadas contribui para o aumento da biodiversidade urbana e para a redução do calor urbano. Além disso, a utilização de tecnologias de eficiência energética e a promoção de espaços verdes para os moradores podem ser consideradas ações positivas em direção à sustentabilidade.

Diante da análise crítica do conceito de greenwash e sua relação com o projeto Bosco Verticale, é importante reconhecer que o mesmo apresenta aspectos sustentáveis, como a melhoria da qualidade do ar e a promoção da biodiversidade urbana. No entanto, é fundamental evitar a superficialidade na avaliação dos impactos e benefícios ambientais. O greenwash pode ser um risco real quando se trata de projetos sustentáveis, e é responsabilidade de arquitetos, pesquisadores e da sociedade em geral avaliar de forma aprofundada e transparente os reais resultados alcançados por essas iniciativas. Somente assim podemos garantir uma transição verdadeiramente sustentável na arquitetura contemporânea e em outros setores.

O CINEMA NOVO COMO TRADUÇÃO DA INTERAÇÃO DO HOMEM COM O PLANO E A SENSORIALIDADE DO ESPAÇO ARQUITETÔNICO

A dualidade entre tal relação no contexto das cidades e das favelas, análise sob a ótica do curta-metragem 5x Favela  

Em 1962, fruto de um projeto do Centro Popular de Cultura (CPC), produziu-se uma coleção de cinco curta-metragens, que se propõe a discutir os problemas sociais das periferias brasileiras na década de 1960, momento em que decorre o processo de favelização no país. Visando informar a população marginalizada a respeito da sua condição e, como consequência, incitar a sua emancipação, os curtas dessa coletânea possuem um discurso de conscientização, que transmitem a mensagem para o telespectador da urgente necessidade de uma mobilização social, em prol de uma melhora na condição de vida da população. O presente ensaio, baseou-se em um curta específico, Couro de Gato – dirigido por Joaquim Pedro, para destrinchar a relação estabelecida entre o morador da favela e a sua comunidade.

A priori, cabe discorrer brevemente acerca do processo de favelização no Brasil. Afinal, cidadãos habitando casas não planejadas advém de uma herança provocada pelo longo período escravagista no Brasil, no qual ex-escravos, libertos ao acaso no final do século XIX, encontraram-se à margem da sociedade e  desamparados do mínimo de direitos quanto a moradia e humanidade, obrigando-os a se locomover para as periferias e zonas distantes das cidades. 

Assim, entende-se que o princípio das comunidades, atualmente tidas como favelas, está relacionado com a falta de um planejamento urbano inclusivo e vernacular uma vez que expurgou ex-escravos e todos aqueles que não se adequaram à idealização da reforma urbana industrial. De modo geral, percebe-se como a arquitetura Ocidential moderna aplicada nas cidades brasileiras não foi capaz de ancorar o povo em um novo espaço dentro do perímetro urbano, renegando sua identidade. Como sustenta Pallasmaa, a predileção pelos olhos nunca foi tão evidente na arquitetura, o que culmina pela opção de espaços com persuasão instantânea, em detrimento de uma experiência plástica ou espacial (PALLASMAA, 2011, p.29). 

Contudo, o processo de expansão da chamada favelização, transcorrido na metade do século XX, é acarretado por uma desordem de planejamento, que provém de uma industrialização tardia do país. A chegada de múltiplas indústrias em cidades brasileiras concatena-se com a utopia de uma vida regrada pelo trabalho nos centros urbanos, consequentemente, a arquitetura esteve à serviço da funcionalidade requerida pelo sistema capitalista. Nesse processo, impuseram-se estruturas piramidais calculadas pelas lentes de uma lógica uniformizadora, estagnada e formal.

A riqueza desses versos é consonante a proposta apresentada pelo Cinema Novo, junto a toda essa produção do CPC e em especial o filme em análise do Joaquim Pedro, de priorizar uma discussão acerca da vida cotidiano daqueles que são tratados como marginalizados, ou seja, tratados como símbolo do estado de subdesenvolvimento do país. 

Como forma de descrever essa morfologia traçada fora do perímetro urbano, em que uma expansão espontânea toma conta do desenho orgânico e evolutivo, usa-se como exemplo ilustrativo a música “Favela”, escrita por Jorge Pessanha, seus versos narram o processo de formação de uma Favela, vide: 


“Numa vasta extensão/ Onde não há plantação/ Nem ninguém morando lá/ Cada pobre que passa por ali/ Só pensa em construir seu lar/ E quando o primeiro começa/ Os outros depressa procuram marcar /Seu pedacinho de terra pra morar/ E assim a região sofre modificação/ Fica sendo chamada de a nova aquarela/ E é aí que o lugar/ Então passa a se chamar favela”. (PESSANHA, Jorge (1973)).

Entende-se que a sequela de uma sociedade que expande seu território de forma desordeira é manifestada por um traçado irregular, que acarreta em um estado de vulnerabilidade e constantes riscos. Com a ausência do Estado Nacional no processo de construção das favelas, tem-se um empecilho para uma urbanização abrangente e segura. Por outro lado, nessa ausência a construção da comunidade se deu de forma espontânea e orgânica, priorizando a identidade plural do povo brasileiro, quando na cidade a tradição arquitetônica foi importada do determinismo europeu. 

Essa leitura arquitetônica foi delineada em função do desenvolvimento capitalista e da funcionalidade urbana, dependendo de um planejamento e de uma sensibilidade característica do Ocidente que, logicamente, não se aplica a todos os cenários urbanos mundiais. Dito isso, percebe-se como a interferência arquitetônica europeia tomada como padrão ao longo do século XIX é oposta ao crescimento espontâneo e exponencial do Brasil na década de 60, que provocou a construção de cidades irracionais periféricas sem a seriedade, padronização ou a organização nos moldes ocidentais. 

Tendo isso como base, 5x Favela carrega consigo um mapeamento histórico da década de 60, capaz de explicitar todo esse panorama arquitetônico exposto. O enaltecimento da luta coletiva também contribuiu para a construção de uma autoimagem por meio do combate à ignorância, à incapacidade popular em compreender sua própria posição submissa, afinal, para os teóricos do Cinema Novo, a arte só é política quando comunica.

Enquanto um elemento primordial para constituição identitária brasileira, o nomeado “labirinto” é tema central dos filmes da primeira fase do Cinema Novo à medida que a intenção é estimular o telespectador alienado a compreender a condição sociológica dessa realidade distante do tecido urbano. Filmes como esses foram os primeiros feitos em prol da desconstrução da cegueira cultural presente no Brasil na época, pois assim era possível superar o abismo identitário para consolidar a identidade de uma nação por meio de atividades artísticas didáticas. 

Ao analisar a morfologia de uma favela, é nítido um senso de integração que não se propicia na cidade, isso decorre pela proximidade das casas, pela ausência de muros e por haver uma densidade demográfica maior do que prédios, por exemplo. Logo, o senso coletivo expresso em uma comunidade, permite mobilizações incondizentes na realidade urbana central, isso se justifica, verbi gratia, na sensação de pertencimento comunal é ilustrada por uma frase de uma personagem do episódio Zé da Cachorra, também de Cinco vezes Favela, que deseja desapropriar casas irregularmente, mas que diz para políticos, que:

“é preciso fazer com cuidado, ou senão a favela se levanta toda”.


Induz-se, somado a isso, que há em uma comunidade uma evidente arquitetura que “intensifica a vida”, como diria Richard Rorty em Philosophy and the Mirror of Nature. Na qual, estimula-se os sentidos simultaneamente, fundindo nossa imagem como indivíduos e nossas experiências de mundo (PALLASMAA, 2011, p.11), ou seja, o “favelado” de a Pedreira de São Diogo enxerga nessa destruição, o fim não apenas de sua casa, mas também do seu sentimento como parte do mundo. Afinal, como propõe Pallasmaa, a arquitetura significativa faz com que nos sintamos como seres corpóreos e espiritualizados.

Por serem consideradas elementos que enfeiam a cidade, favelas são constantemente alvos de desapropriação; tal pretexto que pauta a expurgação de “favelados” de suas casas, desrespeita a noção de que por trás de tal comunidade, há um sentimento de pertencimento, criado, entre outros motivos, pela afetiva arquitetura que propicia o convívio comunitário. Todavia, vale ressaltar que o propósito aqui não é defender que a qualidade de vida em tais espaços é excepcional ou tampouco romantizar a precariedade, pelo contrário, busca-se aprender com a arquitetura de não arquitetos. 

Nesse sentido, inclusive, floresce o conceito de Regionalismo Crítico, pautado na interpretação de Kenneth Frampton, que sustenta a necessidade de uma arquitetura reconectada ao contexto e ao lugar. As ideias de Frampton relacionam-se a uma arquitetura sensível à tectônica, à materialidade e às particularidades de um local, valorizando a riqueza por trás de uma comunidade. 

No livro “Estética da ginga”, escrito por Paola Berenstein Jacques, há o mapeamento da sensorialidade das favelas com base na experiência do artista Hélio Oiticica, durante a década de 60, quando ele viveu na favela da Mangueira. Com sua completa imersão nessa realidade, o pintor concretista desenvolveu uma incomum perspectiva acerca da subjetividade de ser e estar na favela, e é com base nela que o livro desencadeia uma reflexão teórica aprofundada acerca do que se pode aprender com as comunidades. 

Segundo a autora, a interpretação das favelas exige, primeiramente, uma releitura acerca da sua validade do ponto de vista tradicional, afinal, mesmo estas não tendo sido construídas por não-arquitetos, elas são uma arquitetura. Nesse caso, deve-se partir do pressuposto que elas possuem uma estética própria e, nas palavras da autora:

“A questão não é simplesmente social e política: passa também por uma dimensão cultural e estética.”

Assim, compreender a favela na sua essência significa incorporar um universo espaço-temporal divergente daquele cultivado nas organizações modernas: a vivência, a cadência induzida pela tridimensionalidade irregular da favela garante não só uma noção da vivência de corporalidade, mas também de temporalidade específica.

Essa individualidade ímpar é adjacente, historicamente, da expurgação urbana pelos pobres sofrida após a escravidão quando, em condições miseráveis, os únicos materiais disponíveis para a construção dos barracos eram aqueles recolhidos e agrupados antes destinados ao descarte. Sem qualquer projeto preliminar, as favelas foram incorporando uma identidade visual única que além de heterogênea, era também dinâmica.

Favela do Leblon, 1944, Fundo Victor Tavares de Moura – A construção de barracos com a utilização de materiais de descarte.

A partir desse perfil traçado, percebe-se a divergência da favela em comparação com o cenário urbano, tendo em vista que ela não atinge um estado estático e cartesiano, ela é dependente do acaso. Quando vive-se em uma sociedade onde a imagem tradicional da arquitetura sempre esteve ligada à ideia do sólido e do fixo, a organização labiríntica e fragmentária, como proposta pela autora, sugere uma estranheza, uma incompreensão daqueles não inseridos nesse cenário. 

A ausência de um plano proporciona uma peculiaridade que transcende o espaço, manifestando-se em uma temporalidade não condizente com a realidade urbana. Assim, a mudança interfere no próprio ritmo do caminhar, que se modifica, graças à estrutura de vielas e ruas irregulares, causando justamente uma vivência com gingado. A favela, nesse sentido, é uma aproximação com a filosofia de construção ligada a preceitos naturais, onde prioriza-se a estrutura tortuosa, não fidedigna com os moldes arquitetônicos, que roga por ângulos retos e cidades reticuladas. 

A desordem, causada pelo crescimento espontâneo de uma comunidade, ocasiona no que Paola Berenstein nomeia de “Labirinto”,  um local que estimula a sensorialidade, antes de afetar a razão. Antes de ser um espaço, a favela é um caminho e seu percurso é o próprio labirinto.

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Seguindo os preceitos de tal filosofia, Gilles Deleuze defende que o labirinto é a manifestação daquilo que leva o sujeito a ser, gerando um senso de reciprocidade entre tais elementos que propicia a construção de uma identidade, na qual, o ser é visto como parte intrínseca do próprio labirinto. Estimulando a corporalidade perante a imposição da materialidade do espaço, o universo criativo de quem vive nesse ambiente é diretamente ampliado, o que justifica toda a bagagem cultural derivada das favelas.

Em última instância, entende-se que a arquitetura é capaz de conciliar noções de cunho prático e subjetivo, ou seja, por trás de uma residência, transcende-se a noção de mero habitar, para firmar-se a imagem do habitante como parte do espaço. Assim, mesmo quando tal universo carece de condições básicas ou do zelo governamental quanto as clemência elencadas, há uma comunhão populacional, que se sobressai às questões de materialidade, e acarreta na demanda por direitos, que são síntese do Cinema Novo.  

  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
  • Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature, Princeton University Press
  • (New Jersey), 1979, p 239. 
  • JACQUES, PAOLA BERENSTEIN. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica/ Paola Berenstein Jacques. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003 (3a edição). 
  • ROCHA, Glauber. Uma Estética da Fome. In: Revista Civilização Brasileira, n.3, julho, 1965.
  • Pallasmaa, Juhani.Os olhos da pele : a arquitetura e os sentidos / Juhani Pallasmaa; tradução técnica: Alexandre Salvaterra. Porto Alegre :Bookman, 2011.
  • FILME: 
  • Pedreira de São Diogo, dirigido por Leon Hirszman, 1962 
  • MÚSICAS: 
  • Favela – Jorge Pessanha